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por Paiva

Aug 31 • 3 min read

O que Mariana descobriu ao sair das redes sociais?


e não foi liberdade

Mariana tem 31 anos.

Na fila do café, espera com o corpo quieto e a cabeça inquieta.

À sua frente, uma moça ri sozinha para o celular. Não do que acontece ao redor, mas de um vídeo que só ela vê.

Atrás dela, um casal se ajeita diante da vitrine para tirar uma foto juntos.

O reflexo devolve dois rostos próximos, mas nenhum olhar cruzado. Estão lado a lado, mas parecem que não estão ali.

E Mariana sente a fisgada:

Não é que vivamos dentro das telas. É que, muitas vezes, já não sabemos viver fora delas.

O interesse agora parece coisa de manada, como se só valesse olhar o que todo mundo olha.

O restaurante que todo mundo vai.
O filme que todo mundo assistiu.
O vídeo que todo mundo criticou.
A celebridade que todo mundo cancelou.

"Mariana, você sumiu!"


No papel, a vida dela está em ordem.

Mariana tem um trabalho estável, apartamento iluminado, independência. Mas na prática, a pressão invisível dos moldes se infiltra por frestas.

O que falta? Filhos? Títulos? Uma versão mais “feliz” para caber na vitrine das expectativas?

A pergunta que mais escuta é sempre a mesma:

"Mariana, você sumiu. Você está feliz?"

Pergunta rasa, que trata felicidade como pacote fechado: carreira, casa, status, companhia... fazer stories no Instagram.

Mas a pergunta que cutuca de verdade é outra:

"Estou conseguindo o que quero da vida?"

Pergunta incômoda porque não tem molde de resposta.

se arrepender só aos 80?


Numa noite, Mariana inventou um exercício.

Se imaginar aos 80 anos e perguntar do que teria mais medo: de tentar e fracassar, ou de nunca ter tentado?

Esse questionamento encolhe as urgências: o bônus do fim do ano, a foto no LinkedIn, a comparação com conhecidos.

De longe, só fica nítido aquilo que realmente importa.

E é aí que percebe que às vezes não é um plano que nos salva, mas um fio de interesse que insiste em puxar. Porque quando puxa, ele puxa sutilmente pra ver se você vem.

Pode ser pequeno: escrever de madrugada, aprender violino aos 40, plantar hortelã no parapeito da janela, aprender sobre as diferentes espécies de café...

Coisas que não cabem no currículo, mas cabem na vida. Largar esse fio pode parecer fácil, mas esquecê-lo é impossível.

Mariana, me escute bem!

Quem se prende apenas pelo que paga bem, cedo ou tarde acaba não só ficando sem caminho, mas também sem lembrar o que é estar vivo.

ter expectativa não é ansiedade


Seguir esse fio, porém, tem preço.

Mariana sente o desconforto de ser a estranha: a sobrancelha levantada no jantar de família, as brincadeiras no grupo de amigos, o silêncio constrangedor no escritório.

Liberdade e reprovação andam lado a lado.

Validações podem até embalar por um tempo, mas não sustentam uma vida inteira. O que sustenta é a voz que sobrevive mesmo quando os outros riem.

E existe ainda o outro peso: o silêncio que dói. Na ausência de barulho, ela sente o nó no peito.

Quando ninguém vê ou comenta o seu progresso, a quem sua mente responde? De quem você ainda espera validação?

O corpo busca notificações inexistentes, confunde expectativa com validação, silêncio com falta.

E quando você se vê como a fonte, aí sim você é se torna poderoso.

Até entender que silêncio não é ausência.

É a prova de que nem todo desejo precisa de resposta imediata. E quando não há troca, o não já está presente.

Reconhecê-lo machuca, mas também liberta.

quem quer, arruma tempo?


No caderno, Mariana escreve essa frase. Essa mesmo que você acabou de ler.

"quem quer, arruma tempo”.

Olha, risca, e escreve outra: “quem quer de verdade arruma silêncio”.

Porque tempo sem atenção é só corpo sentado em cadeira dura.

O que importa não é empilhar tarefas, mas esvaziar. Aceitar parecer desinteressante. Criar espaço para querer menos e querer melhor.

Ela então puxa um papel solto e anota três outras linhas:

  1. O que esperam de mim.
  2. O que realmente me interessa.
  3. Qual sirene vou silenciar por três dias.


Guarda no bolso e caminha com isso guardado.

Às vezes, clareza cabe no bolso.

o reflexo final


Quando sai do café, Mariana passa novamente pela vitrine.

A moça ainda ri do que só ela vê. O casal já encontrou outro espelho. E ela segue, com outra certeza refletida no vidro:

Não é o mundo que define o que a interessa.
É ela.
E não é urgente.

Esse e-mail termina aqui.

O resto, é seu.

Vancouver, BC - Canadá
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