precisa responder?
Ana começou a sumir devagar.
Primeiro, não respondeu no grupo da faculdade. Depois, deixou de dar retorno no mesmo dia.
De repente, ninguém mais sabia se ela vinha ao aniversário, ao churrasco, à cerveja de domingo.
Era fácil interpretar como desdém.
Mas quem olhava de perto, quem tinha paciência de reparar, via outra coisa: um ritual de proteção.
“Você não gosta mais da gente?”
alguém lançou, meio em tom de piada. Ana riu sem graça e decidiu não explicar. Pra quê? Precisa mesmo?
Por dentro, carregava uma regra simples: as manhãs eram intocáveis.
Seus blocos de silêncio eram tão valiosos quanto aluguel pago, comida no prato. Sem isso, ela não conseguiria focar no que era realmente importante no dia dela.
Era um egoísmo estranho, quase infantil.
Mas necessário.
egoísmo necessário
Veja Steinbeck.
Preso no próprio livro, ele começou a escrever cartas ao editor, um desabafo paralelo só para não desistir.
Chamou de “egoísmo necessário”. Sem isso, East of Eden, um de seus livros, não teria saído do papel.
Richard Feynman fazia parecido: se dizia “irresponsável” para escapar de comitês e convites acadêmicos.
Mentia que não se importava com os alunos quando, na verdade, o que queria era tempo sólido para pensar.
Ana, sem ler nenhum deles, já fazia o mesmo. Mas 2025 não é 1951. E aqui está o nó.
Na época de Steinbeck, você precisava recusar um jantar. Hoje, você precisa recusar o mundo inteiro.
A cada vibração no bolso, um convite. A cada notificação, uma cobrança. As redes sociais não pedem só a sua presença, elas sequestram a sua bússola de decisão.
Por exemplo, os jovens de hoje não escolhem mais suas carreiras sozinhos. É o algoritmo que escolhe por eles.
Já reparou?
Mudar de curso porque “não engaja”.
Trocar de cidade porque “a timeline não gosta”.
Medir talento pelo alcance do post, não pela força do trabalho.
Se antes era a família quem opinava, agora é uma plateia invisível que determina o que vale ou não o seu tempo.
É uma economia da atenção travestida de orientação de vida. E isso é brutal.
aprenda a "escolher"
Ana resistia. Não era heroína.
Tinha crises, chorava, se arrependia de não ter ido a festas. Mas a cada “não” que dizia, ganhava uma fresta de fôlego para o que era importante pra ela.
Um livro, uma loja online de sapatos, uma cafeteria... seja o que for, ela tinha mais tempo para o que era importante.
“Você vai me odiar um pouco agora”, ela disse uma noite, “mas vou ser negligente.”
Negligente com e-mails.
Negligente com convites.
Negligente até com aniversários.
Para ser fiel a uma coisa maior. Ao que importa.
Jerry Seinfeld dizia que sobreviver como artista é aprender a escolher.
Não só o que você cria, mas, principalmente, o que descarta.
Ana estava aprendendo isso no corpo: perder para ganhar. Sumir para aparecer de outro jeito.
E o que ficou, no fim, não foi o silêncio dela. Foi a lembrança incômoda de que talvez nós também precisemos sumir um pouco.
Não para fugir do mundo, mas para enfim conseguir criar dentro dele.
Mas veja bem. Não confunda "sumir" com solidão sem volta.
Proteja seu tempo e volte presente.
Esse e-mail termina aqui.
O resto, é seu.
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