já reparou nisso?
O LinkedIn virou o único lugar onde as pessoas mentem de graça e ainda aplaudem as mentiras umas das outras.
A velha lógica: pra sorrir, tem que fazer sorrir.
“Gostaria de compartilhar que comecei um cargo novo, muito honrado, muito feliz, muito tudo-que-o-algoritmo-ama.”
LIKE 👍
Esse post apareceu de novo na minha cara às 9h27 da manhã, justo na minha segunda-feira de folga.
E, no lugar do like automático, quase escrevi:
“tá feliz, meu jovem? feliz mesmo? tem certeza?”
Quase.
Porque o cara é brilhante. Um apaixonado por skate, um olhar absurdo pra fotografia, composição, vídeo, cor, tipografia…
E ali estava ele comemorando o novo cargo de gerente numa empresa de gás hospitalar.
Já eu, ainda com cheiro de espresso preso na camisa, lendo aquilo como quem assiste um desfile de gente vivendo a mesma vida em loop.
A verdade?
Nem era raiva. Nem inveja. Prometo.
Era aquela coceira na nuca. Algo errado que ninguém quer dizer em voz alta.
E aí veio o déjà-vu: a lista mental de amigos, conhecidos, colegas… e a mesma pergunta que faço há meses, quase como um teste de integridade:
“Se dinheiro não fosse problema… com o que você trabalharia?”
Sete em cada dez mudariam de rota sem olhar pra trás.
Sete em cada dez!!!
Gente inteligente, criativa, estudada, mas vivendo uma vida que não escolheram, repostada com filtros corporativos na timeline.
E aí me bate essa fissura de escrever. De gritar para dentro antes de gritar para qualquer plataforma.
De tentar entender esse desvio da rota que virou minha vida nos últimos meses.
falta de opção também é rota
E é curioso, né?
Só comecei a seguir meu sonho porque fiquei sem opção.
Demissão, portas fechadas, silêncio de recrutadores, e de repente a vida me empurrou para a cafeteria como quem devolve alguém para a sua própria história.
Às vezes penso que foi coragem.
Às vezes acho que foi pura falta de alternativa.
Às vezes as duas coisas cabem na mesma xícara.
Já ouvi algumas pessoas me dizendo:
“cara, admiro muito o que você tá fazendo”.
E por um instante eu acredito.
No seguinte, eu me pergunto se é admiração ou um lembrete gentil de que elas não fariam o mesmo.
Mas a verdade é mais simples e menos romântica: eu só parei de negociar comigo mesmo.
E é aqui que a espiral me traz de volta para as mesmas perguntas que me cutucam desde o início:
Por que a gente vive anunciando marcos que não têm alma, só aprovação da timeline?
Por que repetimos a mesma coreografia profissional como se fosse a única dança possível?
Por que todo mundo parece tão ocupado tentando manter a mesma narrativa enquanto a vida real passa escorrendo pelo ralo?
Tem algo (ou alguém?) empurrando isso pelas bordas.
E não é exatamente um chefe. Nem o mercado. Nem a tal “carreira”.
E todos nós sabemos quem é... claro.
É o algoritmo.
Aquela inteligência treinada para adivinhar não o que você quer, mas o que te mantém preso.
A máquina que organiza nossa atenção como se fosse estoque.
Que decide qual versão sua é mais monetizável.
Que empurra todo mundo para a mesma estética corporativa, para os mesmos posts, para o mesmo “estou honrado”, "estou super animado".
E você, sem perceber, adapta seu humor, suas ambições, seu texto e até sua coragem para caber dentro das expectativas de uma timeline que nunca te conheceu.
Não é exagero.
Não é discurso anti-tecnologia.
É só observar.
newsletter vs linkedin vs instagram
Eu, por exemplo, sei exatamente o que aconteceria se começasse a postar no LinkedIn ou no Instagram sobre minha transição de carreira.
Quem não clicaria na história de alguém que largou 15 anos de tech pra virar barista no salário mínimo?
Um postzinho aqui, outro ali, a dose de dopamina entrando devagar…
E de repente eu estaria performando minha própria coragem, em vez de vivendo ela.
E aí, sinceramente? Por hora, prefiro esse canto aqui.
Newsletter > Email. Um lugar onde não tem feed infinito nem métrica de vaidade.
Onde você só está lendo isso porque escolheu, porque clicou para abrir, não porque apareceu para você.
É uma diferença pequena, mas muda tudo.
Aqui eu não preciso provar nada pra uma timeline faminta. Só preciso ser honesto.
E escrever devagar.
Sentir o cheiro do café ainda preso na roupa enquanto tento fazer sentido do mundo, mesmo que ele não faça sentido algum.
um lugar sem algoritmo
No fim das contas, acho que o que me incomoda não são os posts.
São as vidas que poderiam ser outras.
Os talentos que poderiam florescer.
Os caminhos que continuam estacionados no “um dia, quem sabe”.
E talvez (talvez) a gente só precise de um lugar sem algoritmo pra admitir o que realmente quer.
Porque, no silêncio certo, todo mundo sabe a resposta.
Só falta coragem (ou falta de opção).
Dica: as duas funcionam.
Esse e-mail termina aqui.
O resto, é seu.
@paiva // @jppaiva._ // paiva.me