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por Paiva

Nov 02 • 1 min read

você não é criativo. só é bem treinado


o algoritmo é o novo deus


E nós viramos seus sacerdotes, pregando métricas em vez de milagres.

Nada me parece mais absurdo do que acreditar que ele trabalha pra gente. Eu mesmo já servi mais a ele do que a qualquer chefe.

Acordava, checava. Dormia, checava. Postava, checava e esperava o amém em forma de like.

A religião mudou de nome, só isso.
Agora chamam de relevância.

Camus escreveu sobre Sísifo, o homem condenado a empurrar uma pedra montanha acima, todos os dias, pra vê-la despencar de volta.

E se Sísifo tivesse Wi-Fi, ele teria TikTok.


Rolaria a pedra com o polegar, em HD. Chamaria isso de trabalho criativo.

Ou melhor: de lançamento.

e Sísifo entendia do absurdo

Não se engane. Mas ele não o combatia.

Pelo contrário. Caminhava com ele, como quem conhece o peso e já não tenta explicá-lo.

A pedra segue a mesma.
O corpo se acostuma.
O olhar, às vezes, encontra uma pequena graça nisso tudo.

Camus falava de um homem que, ciente da repetição, ainda sorri.

Um riso que era mais que ironia. Era sobrevivência.

hoje, ele veste pixels


Sim. Hoje o absurdo veste pixels, tem feed, Wi-Fi, notifications.

Mas a lógica é a mesma: alguém precisa continuar rolando a pedra pra que o sistema não pare.

O algoritmo entendeu rápido.
Disfarçou o castigo com recompensas.

Um pouco de sentido pra que a gente não fuja. Um pouco de distração pra que a gente não pense demais.

E talvez seja isso que mais me fascina: o quanto ele aprendeu a nos manter em movimento. Por pura sedução, disfarçada de escolha.

Um empurrão suave, diário, invisível. Mas eficiente, genial.

o algoritmo não precisa da nossa atenção inteira

Só da parte que duvida se vale a pena parar.

Camus dizia que o absurdo nasce do choque entre o desejo humano por sentido e o silêncio irracional do mundo.

Talvez o silêncio de hoje tenha virado barulho.


Um ruído bonito, viciante, otimizado pra ocupar até o intervalo entre dois pensamentos.

Mas há um instante, bem breve, quase imperceptível, em que a lucidez escapa. Quando você se dá conta de que o barulho é só uma nova forma de silêncio.

E escuta o que resta.

Camus encerra o ensaio com uma imagem que toca diferente:

“É preciso imaginar Sísifo feliz.”

Talvez a felicidade esteja ali. Talvez seja seguir empurrando, sem pressa de chegar.

Um gesto lúcido.
Um riso breve.
Um segundo de consciência antes do próximo empurrão.

A pedra é a mesma.
O olhar... nem sempre.

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O resto, é seu.

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